Aproveitando a época que nos leva a recordações, houve nos últimos vinte anos uma coleção de abordagens sobre mudanças que o mundo digital trazia. Palestras de Iochai Benkler na USP, textos de Lessig, de Imre Simon, o conceito de “modernidade líquida” de Zygmund Bauman e outros, trataram, com mais ou menos otimismo, das profundas alterações por que o mundo passa. E um objetivo que parece cada vez mais irreal é tentar um mapeamento entre o mundo digital e o estamento legal e social que tínhamos. Essa busca de ajuste pode nos levar a dois erros: o de tentar classificar as coisas novas ajustado-as aos paradigmas anteriores, ou ao de simplesmente ignorar ou minimizar o que acontece, até por ser difícil de entender por toda sua complexidade.
Destacando algumas das características do “mundo líquido” em que entramos e apontadas por muitos, teríamos: a abundância tomando o lugar da escassez, especialmente ligada à produção praticamente sem custos de informação, de entretenimento e comunicação - a imaterialidade dos novos bens, e o fim do conceito de distância geográfica. Dependendo das condições técnicas de momento na rede, é tão fácil acessar uma base de informação na mesma cidade, como páginas web hospedadas em outro continente. Informação recém gerada ou coletada algures, estará disponível em minutos para o consumo e disseminação geral.
De uma forma algo romantizada, o que a Internet nos trouxe poderia ser visto como um reviver do o conceito de “rossio”, ou de “commons” em inglês. As duas palavras não são totalmente congruentes, mas coincidem em trazer a idéia de “recurso de uso coletivo e livre”. Exemplos históricos seriam a Wikipedia, criada coletivamente e colocada à disposição da comunidade e, numa área mais técnica, a simbiose que gerou sistemas abertos como o Linux e afins. O trabalho voluntário e colaborativo de muitos, pelo mundo, gerou produtos que, de alguma forma, desafiaram os tradicionais, criados dentro de empresas de grande porte e com um corpo técnico muito especializado. Outro exemplo mais recentes dessa ruptura é o surgimento e popularização de tipos de licenças abertas, variadas, os “crative commons”.
Como numa gangorra, sucedem-se momentos de grande otimismo com uma reanálise ácida dos novos riscos trazidos. A idéia do rossio, comum e aberto, não impede que surjam formas de explorá-lo. Somos atraidos a fazer parte de agregados, centrados em plataformas específicas, nos alíviariam da necessidade de buscar ativamente por variedade de informações. Um conforto que pode nos levar a posições passivas e comodistas. No afã de fidelizar usuário, sistemas usam algoritmos que aumentam a sensação de pertencimento: de alguma forma premia-se a permanência do usuário fornecendo-lhe mais daquilo de que ele parece gostar. Se a internet acenou com “commons” onde todos teriam acesso geral a informação e comunicação, o aglutinamento de seus usuários em torno de serviços e plataformas volta a gerar um mundo compartimentado, agora não geograficamente, mas digitalmente. E segue a gangorra. Segundo Bauman, “… na modernidade líquida a única certeza é a incerteza”.
Significado de Rossio
m. Terreno, que era roçado ou fruído, em commum, pelo povo. Logradoiro público. Lugar espaçoso; terreiro; praça larga. (Port. ant. ressio V. ressio)
https://www.theguardian.com/technology/2018/feb/11/john-perry-barlow-obituary