terça-feira, 8 de outubro de 2024

Tempos…

Quinta-feira passada tomou posse, como novo acadêmico da Academia Paulista de Letras, o jornalista e colunista deste jornal, Eugênio Bucci. Posso colocar como ponto muito positivo de minha trajetória o ter tido o privilégio de encontrá-lo e conviver em diversas instâncias da vida. Tendo como padrinho o ilustre jurista e intelectual Celso Lafer, Eugênio assumiu a cadeira 12 da APL. Ambos brindaram os presentes com excelentes e provocativos discursos.

Da parte que diz mais respeito ao nosso tema, destaco uma tirada espirituosa de Eugênio, quando já perto do final de seu discurso, e fazendo referência ao tema do momento – a Inteligência Artificial e seus riscos – chamou a atenção para algo que considerava igualmente preocupante e talvez, sistematicamente descurado: o avanço da “ignorância artificial”. As risadas que se seguiram à boutade talvez reforcem que, de fato, não estaríamos dando a atenção devida.

Começo por notar o adjetivo “artificial”. O conceito básico aqui é “algo feito com artifício”, por algum agente, um“artífice”. Não se trata de mera oposição a “natural”, mas atem-se ao fato de ser uma criação humana. Ou seja, essa “ignorância” é diferente da “falta de informação e de conhecimento sobre algo”, como seria a ignorância natural. Talvez seja algo construido de forma lenta, talvez insuspeitada. Não é o caso de brotarem teorias conspiratórios, mas talvez de constatarmos os efeitos que advêm da exposição contínua e intensa ao mundo de redes e toda sua parafernália.

Que hoje a IA tenha desestimulado a leitura em sua forma imersiva e tradicional, parece um fato estabelecido. Como diz Huxley em Admirável Mundo Novo, “não consumiremos muito se ficarmos sentados, lendo…”. Consegue-se um resumo instantâneo de qualidade incerta, bastando pedí-lo a uma ferramenta de IA. Poupa-nos o trabalho de destrinçar o texto e as idéias do autor, e nos provê um resumo insosso e bastante superficial. Não é muito diferente o que se passa com nossas atuais fontes de informação, das quais aproveitamos, se tanto, a manchete. E para eventual sentimento de solidão e isolamento, há os avatares que nos fazem companhia, consolam e divertem. A associação da velocidade e da ubiquidade da Internet, com do poder dos algoritmos em nos enredar, faz com que tenhamos nossa porção gratuita de “felicidade”, como acontecia com o SOMA no Admirável Mundo Novo.

Nada disso desmerece ou diminui os avanços espantosos da tecnologia, nem serve para desestimular o uso das novas ferramentas. Já existe até uma “engenharia de ‘prompts’” visando a nos capacitar a pedirmos com mais acurácia o que esperamos obter da IA. Mas devemos nos manter atentos.

Relembrando os discursos daquela sessão na APL (enquanto procuro acompanhar também os resultados do primeiro turno das eleições, a apenas minutos do fechamento das urnas…), outra provocação vem à mente: em seu discurso de apresentação do postulante, Celso Lafer citou um adágio, que penso atemporal. Disse ele: “a verdade não morre, mas tem uma vida miserável...”.

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Trecho citado de "O Admirável Mundo Novo":

https://www.goodreads.com/quotes/594665-you-can-t-consume-much-if-you-sit-still-and-read

“You can't consume much if you sit still and read books."

Sobre o SOMA:
https://cornellsun.com/2023/11/27/modern-soma/

"Soma is the instant gratification drug that has desensitized society in Aldous Huxley’s 1932 Brave New World. But 92 years later, this drug sounds awfully familiar — it’s just been going by different names: phones, the Internet, the virtual world. I fear how similar our dissociative societies are, as Huxley’s world blurs into our own. Is his world a road map for the journey we are about to begin, or a warning that will help us avoid an artless, passionless society where we are enslaved to instant gratification technology?

https://www.huxley.net/soma/somaquote.html




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