Quinta-feira passada tomou posse, como novo acadêmico da Academia Paulista de Letras, o jornalista e colunista deste jornal, Eugênio Bucci. Posso colocar como ponto muito positivo de minha trajetória o ter tido o privilégio de encontrá-lo e conviver em diversas instâncias da vida. Tendo como padrinho o ilustre jurista e intelectual Celso Lafer, Eugênio assumiu a cadeira 12 da APL. Ambos brindaram os presentes com excelentes e provocativos discursos.
Da parte que diz mais respeito ao nosso tema, destaco uma tirada espirituosa de Eugênio, quando já perto do final de seu discurso, e fazendo referência ao tema do momento – a Inteligência Artificial e seus riscos – chamou a atenção para algo que considerava igualmente preocupante e talvez, sistematicamente descurado: o avanço da “ignorância artificial”. As risadas que se seguiram à boutade talvez reforcem que, de fato, não estaríamos dando a atenção devida.Começo por notar o adjetivo “artificial”. O conceito básico aqui é “algo feito com artifício”, por algum agente, um“artífice”. Não se trata de mera oposição a “natural”, mas atem-se ao fato de ser uma criação humana. Ou seja, essa “ignorância” é diferente da “falta de informação e de conhecimento sobre algo”, como seria a ignorância natural. Talvez seja algo construido de forma lenta, talvez insuspeitada. Não é o caso de brotarem teorias conspiratórios, mas talvez de constatarmos os efeitos que advêm da exposição contínua e intensa ao mundo de redes e toda sua parafernália.
Que hoje a IA tenha desestimulado a leitura em sua forma imersiva e tradicional, parece um fato estabelecido. Como diz Huxley em Admirável Mundo Novo, “não consumiremos muito se ficarmos sentados, lendo…”. Consegue-se um resumo instantâneo de qualidade incerta, bastando pedí-lo a uma ferramenta de IA. Poupa-nos o trabalho de destrinçar o texto e as idéias do autor, e nos provê um resumo insosso e bastante superficial. Não é muito diferente o que se passa com nossas atuais fontes de informação, das quais aproveitamos, se tanto, a manchete. E para eventual sentimento de solidão e isolamento, há os avatares que nos fazem companhia, consolam e divertem. A associação da velocidade e da ubiquidade da Internet, com do poder dos algoritmos em nos enredar, faz com que tenhamos nossa porção gratuita de “felicidade”, como acontecia com o SOMA no Admirável Mundo Novo.
Nada disso desmerece ou diminui os avanços espantosos da tecnologia, nem serve para desestimular o uso das novas ferramentas. Já existe até uma “engenharia de ‘prompts’” visando a nos capacitar a pedirmos com mais acurácia o que esperamos obter da IA. Mas devemos nos manter atentos.
Relembrando os discursos daquela sessão na APL (enquanto procuro acompanhar também os resultados do primeiro turno das eleições, a apenas minutos do fechamento das urnas…), outra provocação vem à mente: em seu discurso de apresentação do postulante, Celso Lafer citou um adágio, que penso atemporal. Disse ele: “a verdade não morre, mas tem uma vida miserável...”.
https://www.goodreads.com/quotes/594665-you-can-t-consume-much-if-you-sit-still-and-read
“You can't consume much if you sit still and read books.""Soma is the instant gratification drug that has desensitized society in Aldous Huxley’s 1932 Brave New World. But 92 years later, this drug sounds awfully familiar — it’s just been going by different names: phones, the Internet, the virtual world. I fear how similar our dissociative societies are, as Huxley’s world blurs into our own. Is his world a road map for the journey we are about to begin, or a warning that will help us avoid an artless, passionless society where we are enslaved to instant gratification technology?
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