Importamos debates de todo o mundo, como se já não tivéssemos temas em profusão por aqui mesmo. Assim é que soma-se às já complexas discussões sobre a extensão e a forma adequadas para uma legislação sobre plataformas e redes sociais, o tema sobre a remuneração cruzada de setores econômicos, normalmente identificado com o rótulo de “fair share”.
Estando eu muitíssimo longe de entender os complexos meandros da economia, meu primeiro espanto é com o que me parece ser uma “inovação”. Não conheço exemplos em que integrantes de uma área de atividade repassem recursos, por lei, diretamente a outra área de atividade. A mim não convence o argumento de que o crecimento vigoroso de um determinado setor exige esforços não previstos ou provisionados em outro setor e, portanto, seria necessário um financiamento cruzado… Afinal cada ramo de atividade econômica, inclusive, dispende esforços para em se destacar da concorrência, e assim ganhar mais usuários e porte. Se não fosse assim, não haveria mais sentido em se manter naquela área, e mais prudente seria buscar outra atividade. Obviamente cabe ao governo cobrar adequadamente os impostos correspondentes aos resultados das empresas de cada área e, examinando o cenário nacional, destiná-los a estímulo de setores e atividades que demandem suporte ou expansão do ponto de vista político. A proposta de financiamento cruzado entre áreas de atividade, a meu ver, faz tão pouco sentido como se os fabricantes de eletrodomésticos passassem parte de sua receita aos fabricantes de materiais plásticos, sob o argumento de que “mais plástico foi necessário em função de seu uso na fabricação dos eletro-domésticos”. Afinal coisas como impostos e a própria conta de luz, existem para buscar essa equilíbrio.Outro tema candente, o de como tratar “intermediários” na rede, teve um aporte importante com a decisão da corte norte-americana em manter o espírito da seção 230 do “decency act” de 1996. Claro que muita coisa mudou desde 1996, especialmente com a enorme expansão do chamado “ecossistema digital”, porém essas mudanças devem se refletir em legislação específica e bem definida. Não há como abarcar as mudanças que a rede e a informática trouxeram ao mundo de uma maneira generalista. Cada categoria, cada conjunto de ações de um mesmo tipo, deve ser foco de debate próprio, com suas especificidades e peculiaridade eventualmente tratadase m legislação. A nova realidade do mundo em rede deu poder de manifestação e ação a todos, o que reforça que cada um deve ser responsável pelos seus atos. E os que forem apenas canais agnósticos no processo - e pode haver esse papel - deveriam continuar não-responsáveis. Claro, desde que atuem apenas como canais, e se confinem no papel de intermediários canônicos. Conforme um amigo resumiu numa conversa, o drama é: o que costumávamos chamar de “senso comum” tornou-se raridade – é tudo menos “comum”... De uma poesia do Millôr Fernandes: ... / pois se penso demais / acabo despensando tudo que pensava antes, / e se não penso / fico pensando nisso o tempo todo.
===
Entrevista de Millor com a poesia da qual um trecho foi citado:
http://www.tirodeletra.com.br/entrevistas/MillorFernandes.htm
livre pensar é só pensar:
Nenhum comentário:
Postar um comentário