Em 2009, após quase dois anos de debates até atingir consenso, o CGI publicou um decálogo de princípios sobre a Internet que foi recebido efusivamente pelos presentes no IGF (Fórum de Governança internet) de 2010 em Vilna, Lituânia. O decálogo não tem poder de “lei”, mas serve como balizador de futura legislação. Tanto assim que simultaneamente iniciou-se um debate público intenso sobre uma lei que consolidasse conceitos do decálogo.
Em 2014, na abertura da NetMundial – evento internacional multissetorial sediado no Brasil, que ousou gerar documentos de orientação sobre a Internet, obtidos após longos debates com indivíduos e representantes de quase uma centena de países – a Lei do Marco Civil foi sancionada. Ela definia o “campo de jogo” da Internet, com direitos e deveres. Do decálogo original tres itens foram incorporados ao Marco Civil: a defesa da privacidade e dos dados de usuários, a preservação da neutralidade da rede, e a correta responsabilização dos atores no processo. É este ponto, gerador do artigo 19 do Marco Civil, que hoje está em questionamento;
Diz o decálogo em seu artigo 7: “O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos." e o artigo 19: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário." Como defensor aberto do Marco Civil, nada vejo de inadequado no artigo 19. Sim, pode haver lei complementar adaptada aos tempos, mas ele permanece sólido.
Há plataformas que ignoram o que nelas trafega, e há as que conhecem do conteúdo. As primeiras não há como nem por quê responsabilizar. Com as outras ocorre que, muitas vezes, não se limitam a enviar o conteúdo do emitente aos destinatários pré-definidos, mas o repassam a outros, a seu talante. E aí é que a porca torce o rabo. Afinal, se alguém decide me mandar algo, é dele a responsabilidade pelo conteúdo. Uma plataforma que, por sua livre decisão, baseada ou não em algoritmos, escolhe repassar conteúdo a outrem, deixa de ser um “intermediário” neste caso específico. Passaria a constar da lista de “terceiros”, conforme o artigo 19: afinal, na melhor das hipóteses, estamos diante de um caso de “spam”...
Para seguir na boa trilha que o Brasil traça na Internet, seja em governança, seja em legislação, é mister construir sobre base sólida – e a temos! Solapar o que existe e foi aclamado internacionalmente, parece altamente contraindicado. Discutamos aperfeiçoamentos e acréscimos ao bom edifício, mas evitemos demolí-lo...
===
https://www.estadao.com.br/link/demi-getschko/o-artigo-19-do-marco-civil-nao-pode-ser-demolido-na-busca-pela-regulacao-das-redes-sociaisEm 2014, na abertura da NetMundial – evento internacional multissetorial sediado no Brasil, que ousou gerar documentos de orientação sobre a Internet, obtidos após longos debates com indivíduos e representantes de quase uma centena de países – a Lei do Marco Civil foi sancionada. Ela definia o “campo de jogo” da Internet, com direitos e deveres. Do decálogo original tres itens foram incorporados ao Marco Civil: a defesa da privacidade e dos dados de usuários, a preservação da neutralidade da rede, e a correta responsabilização dos atores no processo. É este ponto, gerador do artigo 19 do Marco Civil, que hoje está em questionamento;
Diz o decálogo em seu artigo 7: “O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos." e o artigo 19: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário." Como defensor aberto do Marco Civil, nada vejo de inadequado no artigo 19. Sim, pode haver lei complementar adaptada aos tempos, mas ele permanece sólido.
Há plataformas que ignoram o que nelas trafega, e há as que conhecem do conteúdo. As primeiras não há como nem por quê responsabilizar. Com as outras ocorre que, muitas vezes, não se limitam a enviar o conteúdo do emitente aos destinatários pré-definidos, mas o repassam a outros, a seu talante. E aí é que a porca torce o rabo. Afinal, se alguém decide me mandar algo, é dele a responsabilidade pelo conteúdo. Uma plataforma que, por sua livre decisão, baseada ou não em algoritmos, escolhe repassar conteúdo a outrem, deixa de ser um “intermediário” neste caso específico. Passaria a constar da lista de “terceiros”, conforme o artigo 19: afinal, na melhor das hipóteses, estamos diante de um caso de “spam”...
Para seguir na boa trilha que o Brasil traça na Internet, seja em governança, seja em legislação, é mister construir sobre base sólida – e a temos! Solapar o que existe e foi aclamado internacionalmente, parece altamente contraindicado. Discutamos aperfeiçoamentos e acréscimos ao bom edifício, mas evitemos demolí-lo...
===
===
A guisa de curiosidade, o que o ChatGPT-4 acha do Artigo 19 do MCI a partir de uma pergunta que o Percival (CGI) fez:
Pergunta (Percival): Finja que é um advogado e faça uma sustentação oral defendendo a constitucionalidade do art 19 do marco civil da internet
Resposta (ChatGPT-4) Meritíssimos Ministros, Excelências, senhores e senhoras presentes,
Ilustre presidente, venho perante esta Egrégia Corte defender a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Este dispositivo legal equilibra os interesses entre a liberdade de expressão, o acesso à informação e a proteção dos direitos individuais, como a honra, a imagem e a privacidade dos cidadãos brasileiros.
O referido artigo estabelece que provedores de aplicações de internet somente poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
Permitam-me destacar que o artigo 19 coaduna-se com os princípios fundamentais da nossa Constituição Federal. A liberdade de expressão é assegurada pelo artigo 5º, inciso IX, e pelo artigo 220 da Constituição. Contudo, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Os incisos V e X do artigo 5º também protegem o direito à indenização por dano moral ou material decorrente de violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Nesse sentido, o artigo 19 do Marco Civil da Internet harmoniza os princípios constitucionais, estabelecendo um mecanismo equilibrado de responsabilização dos provedores de aplicações de internet. A necessidade de uma ordem judicial específica para a remoção do conteúdo infrator confere maior segurança jurídica e reforça a preservação da liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que protege os direitos individuais das vítimas.
Vale ressaltar que a inexistência dessa previsão legal poderia levar os provedores de aplicações de internet a adotar posturas excessivamente cautelosas, removendo conteúdos em resposta a simples alegações de ofensa, sem a devida análise judicial. Tal cenário poderia resultar em uma forma de censura privada, com graves impactos sobre a liberdade de expressão e o acesso à informação.
Além disso, o artigo 19 não impede a responsabilização dos autores das ofensas. Esses continuam sujeitos às sanções civis e penais previstas na legislação, independentemente de qualquer ação por parte dos provedores de aplicações de internet.
Portanto, Excelências, o artigo 19 do Marco Civil da Internet é compatível com os princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Ele proporciona um equilíbrio justo entre a proteção dos direitos individuais e a preservação da liberdade de expressão, garantindo um ambiente digital sadio e respeitoso para os cidadãos brasileiros.
Ratifico, assim, a defesa da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e solicito que esta Corte reconheça e confirme sua conformidade com os princípios consagrados na Constituição Federal.
Muito obrigado, Excelências.
Resposta (ChatGPT-4) Meritíssimos Ministros, Excelências, senhores e senhoras presentes,
Ilustre presidente, venho perante esta Egrégia Corte defender a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Este dispositivo legal equilibra os interesses entre a liberdade de expressão, o acesso à informação e a proteção dos direitos individuais, como a honra, a imagem e a privacidade dos cidadãos brasileiros.
O referido artigo estabelece que provedores de aplicações de internet somente poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomarem providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente.
Permitam-me destacar que o artigo 19 coaduna-se com os princípios fundamentais da nossa Constituição Federal. A liberdade de expressão é assegurada pelo artigo 5º, inciso IX, e pelo artigo 220 da Constituição. Contudo, a liberdade de expressão não é um direito absoluto. Os incisos V e X do artigo 5º também protegem o direito à indenização por dano moral ou material decorrente de violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
Nesse sentido, o artigo 19 do Marco Civil da Internet harmoniza os princípios constitucionais, estabelecendo um mecanismo equilibrado de responsabilização dos provedores de aplicações de internet. A necessidade de uma ordem judicial específica para a remoção do conteúdo infrator confere maior segurança jurídica e reforça a preservação da liberdade de expressão, ao mesmo tempo em que protege os direitos individuais das vítimas.
Vale ressaltar que a inexistência dessa previsão legal poderia levar os provedores de aplicações de internet a adotar posturas excessivamente cautelosas, removendo conteúdos em resposta a simples alegações de ofensa, sem a devida análise judicial. Tal cenário poderia resultar em uma forma de censura privada, com graves impactos sobre a liberdade de expressão e o acesso à informação.
Além disso, o artigo 19 não impede a responsabilização dos autores das ofensas. Esses continuam sujeitos às sanções civis e penais previstas na legislação, independentemente de qualquer ação por parte dos provedores de aplicações de internet.
Portanto, Excelências, o artigo 19 do Marco Civil da Internet é compatível com os princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. Ele proporciona um equilíbrio justo entre a proteção dos direitos individuais e a preservação da liberdade de expressão, garantindo um ambiente digital sadio e respeitoso para os cidadãos brasileiros.
Ratifico, assim, a defesa da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e solicito que esta Corte reconheça e confirme sua conformidade com os princípios consagrados na Constituição Federal.
Muito obrigado, Excelências.
===
===
Um comentário:
Perfeita colocação prof. Demi...
Postar um comentário