Coloca-se mundialmente o debate sobre como tratar danos causados ao estamento social pelas ferramentas de comunicação cada vez mais presentes e influentes. O Brasil, podemos dizer, está acima da média mundial em termos de organização para enfrentar isso de forma racional e participativa. Tanto em governança da Internet, como em legislação existente, há etapas importantes. A começar pela criação em 1995 do CGI, Comitê Gestor da Internet no Brasil, o seu decálogo emitido em 2009, “Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil”, e desembocando no Marco Civil, assinado em 2014 na abertura da NetMundial, que gerou documentos de consenso.
A discussão sobre os efeitos das chamadas “plataformas” no tecido social muitas vezes tende, ao buscar uma revisão, a extrapolar ou enviesar conceitos presentes no decálogo e no Marco Civil. Emblemática e recorrente é menção ao artigo 19 do Marco Civil: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”, que funda-se no item 7 da decálogo: “O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos”.
Antes de revisitar esses princípios, e buscando preservar direitos e liberdade, uma definição concertada faz-se necessária, afinal, “a fronteira da linguagem se confunde com a fronteira do pensamento possível”. De que definições carecemos aqui? Inicialmente estabelecer claramente a de “intermediário”. Ninguém pensaria em reponsabilizar o carteiro por uma carta ofensiva ou falsa, ou a companhia telefônica por uma conversa maleducada. O intermediário clássico é imune ao conteúdo que transporta: “não mate o mensageiro”. Aliás a legislação veda que esse tipo de mensageiro bisbilhote o que entrega, tanto correio como telefonia.
Onde “a porca torce o rabo”, entretanto, é ao examinamos outros atores do ambiente. Além do fato de deterem um poder de mercado impressionante, muitos agem por iniciativa própria. O ponto que merece mais exame são algoritmos que decidem nos enviar conteúdos que não solicitamos e que, na busca do mais efetivo retorno, recolhem dados e comportamentos, classificando-nos como candidatos a receber determinados conteúdos. Certamente isso vai muito além da ação de um intermediário clássico, que estaria blindado quanto ao conteúdo que tranporta: agora há uma “decisão” de expandir o alcance de um conteúdo, não originada do remetente original mas no que o algoritmo achou mais conveniente.
Antes de pedirmos que alguém, de alguma forma, filtre o que recebemos, parece mais sensato garantir que recebemos aquilo que pretendíamos receber, de remetentes com os quais nos correspondemos e dos grupos de discussão de que participamos. É claro que cada um seguirá responsável pelo que envia.
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