É acima de qualquer dúvida que teremos mudanças importantes no cenário da Internet, tanto no internacional como no nacionalmente. Há prolegômenos a considerar: no caso específico da Internet, muito longe do “complexo de vira-lata” na imortal expressão de Nelson Rodrigues, a versão brasileira de governança e estruturação da rede tem-nos rendido enfáticos elogios da comunidade internacional. O modelo do Comitê Gestor, CGI.br - um comitê que debate cenários, alerta para riscos e indica caminhos, sem se revestir do papel de regulador ou legislador - tem sido um farol para muitos países. Em governança da Internet podemos nos gabar (sem falsa modéstia) de ter seguido o lema de São Paulo: “non ducor, duco”.
Crucial para o funcionamento exitoso do CGI é sua proposta de buscar incessantemente o consenso em seus posicionamentos. O decálogo do CGI, por exemplo, divulgado em 2009 e que foi base tanto do Marco Civil da Internet como da Lei Geral de Proteção de Dados, custou aos 21 integrantes do CGI dois anos de discussão até se chegar ao consenso em sua forma. Eis outro ponto em que podemos nos ufanar: o CGI, criado em 1995 e reformado em 2003, foi pioneiro na busca de configuração multissetorial ao tratar da Internet. A picada aberta pelo CGI e hoja considerada a ideal, foi seguida por ICANN, WSIS, IGF e outros órgãos que se envolvem com o tema. O sucesso da NetMundial em 2014 também testemunha isso.
Outra prova de antevisão foi, em 1995, separar o que seria “Internet” e o que era “telecomunicações”. Telecomunicações é uma área que usa recursos públicos e é internacionalmente regulada; já Internet, sabiamente definida como SVA, é serviço de valor adicionado, que “sobre as telecomunicações opera, mas com elas não se confunde”. É evidente o resultado positivo que tais conceitos trouxeram para uma pujante Internet que temos no país. Um último ponto: a necessidade de cuidados com a taxonomia. Termos como “neutralidade” e “inimputabilidade” aplicam-se e continuam a ser válidos nas correspondentes camadas da Internet. Acima delas, as construções que surgem – a Internet provê liberdade a quem queira criar sobre ela – podem ou não se enquadrar nestes conceitos tão bem definidos no decálogo do CGI. Aliás, por ser esse decálogo algo principiológico, sua aplicabilidade segue inatacável.
Assim, qualquer discussão sobre alterações no cenário deve levar em conta qual o problema que se quer corrigir, sendo crítico que não se perca de vista o (muito!) que há de bom e correto, e que precisa ser apoiado e preservado Vai-se notar de imediato que esse problema não diz respeito à Internet propriamente dita: seus protocolos técnicos, neutralidade e unicidade são valores que devem ser defendidos, como o CGI tem feito desde o início com êxito facilmente confirmável se cotejado internacionalmente. Para descontrair, o título do artigo: ele vem de uma frase que foi dita num encontro sobre a difusão da nova rede no país, por um executivo e à guisa de tranquilizar a audiência: “Não devemos ter medo do que vem pela frente… desde que venha pela frente!”
Ps. Adendo desolador: perdemos no domingo, 4, Danilo Doneda, um incansável lutador pelos princípios da Internet, e um caráter irretocável.
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