Chamou a atenção na semana passada uma carta aberta da ISOC (Internet Society) ao primeiro-ministro do Canadá alertando sobre sérios riscos à Internet e às liberdades individuais, embutidos em legislação que se está discutindo no Canadá. O projeto de lei visa oficialmente a nivelar o tratamento de empresas que trabalham com transmissão (“broadcast”). Alega-se, com bastante razão, que a lei de 1991, que regula as transmissões de rádio e tevê, não contempla transmissões via Internet, então ainda incipientes.
A carta, assinada por dezenas de indivíduos historicamente ligados à Internet, causa alguma surpresa dado que o Canadá sempre foi considerado um baluarte da Internet aberta e livre, sendo frequentemente citado como exemplo. O que estaria ocorrendo de errado agora? O cenário nestes novos tempos é amplo e complexo. Note-se, por exemplo, o que passa em governos como o da Grã-Bretanha, que estão se movendo para coibir o uso de criptografia. Os argumentos variam, desde o de proteger crianças, até o de combater terrorismo, mas são frágeis a um exame mais detalhado. Certamente não são as figuraas do submundo que acabarão sendo atingidas, mas sim os usuários comuns, que tentam conservar o pouco que lhes resta de privacidade. São esses as potenciais vítimas de uma proibição do uso da criptografia, ou de seu enfraquecimento com a criação de “portas dos fundos” em provedores e aplicações.
Outro ponto, também objeto da carta aberta, é o possível ataque a estruturas básicas da rede. Uma coisa é, ao combater abusos e crimes atuar sobre aplicações e plataformas; outra, completamente diferente, é atingir a estrutura de transporte e interconexão que constitui o núcleo da rede. Ações diretas nessa infraestrutura podem resultar em imediata quebra de neutralidade da rede, impedindo a livre navegação e gerando zonas de exclusão. Se, sob o pretexto de sua própria proteção, os usuários forem proibidos de chegar a locais da rede, além da óbvia tutela de adultos, abrem-se as portas para uma infinidade de violações de liberdade muito mais sérias.
Finalmente, outro argumento que também se veste de “protetivo” é o de buscar eliminar conteúdos em seu nascedouro, antes mesmo de sua distribuição, para “coibir danos maiores”. De alguma forma isso me lembra o filme “Minority Report”, onde um sistema de previsão – baseado em videntes humanos, mas nada impederia seu transporte para a inteligência artificial – identificaria um “criminoso” antes mesmo que um crime fosse cometido, e já se armava sua “detenção preventiva”. Indo mais longe, Cesare Lombroso pregava no início do século passado que alguém estaria predestinado a ser mantiroso (ou violento, ou ladrão) baseando-se em suas assimetrias e medições faciais. Nos livramos de Lombroso, mas hoje há uma confusão, talvez proposital, entre definir formas de punição a delitos, e buscar maneiras de impedir que eles sequer ocorram. Levando o argumento ao limite, se todos forem proibidos de se expressar, não haveria como cometer crimes de calúnia, difamação ou injúria… Ou seja, até para coibir e punir abusos é necessário, a priori, haver liberdade de expressão para que, depois, se possa buscas os eventuais abusos. Suprimir a liberdade de expressão como forma de limitar abusos é condenar a priori, mesmo que travestido de proteção.
A carta sublinha riscos deste tipo. Certamente há necessidade de se discutir regulação de camadas sobre a Internet, mas preservando infraestrutura e indivíduos. Ao se buscar um regime uniforme para plataformas de transmissão de conteúdos , seja via Internet, seja pelos meios tradicionais de rádio e tevẽ, deve-se cuidar para não colocar no mesmo balaio os “broadcasters” e o que os indivíduos produzem com sua liberdade de expressão; Todos arcam, claro, com a responsabilidade pelas suas ações, mas sempre a posteriori e seguido o rito judicial canônico.
Outro ponto, também objeto da carta aberta, é o possível ataque a estruturas básicas da rede. Uma coisa é, ao combater abusos e crimes atuar sobre aplicações e plataformas; outra, completamente diferente, é atingir a estrutura de transporte e interconexão que constitui o núcleo da rede. Ações diretas nessa infraestrutura podem resultar em imediata quebra de neutralidade da rede, impedindo a livre navegação e gerando zonas de exclusão. Se, sob o pretexto de sua própria proteção, os usuários forem proibidos de chegar a locais da rede, além da óbvia tutela de adultos, abrem-se as portas para uma infinidade de violações de liberdade muito mais sérias.
Finalmente, outro argumento que também se veste de “protetivo” é o de buscar eliminar conteúdos em seu nascedouro, antes mesmo de sua distribuição, para “coibir danos maiores”. De alguma forma isso me lembra o filme “Minority Report”, onde um sistema de previsão – baseado em videntes humanos, mas nada impederia seu transporte para a inteligência artificial – identificaria um “criminoso” antes mesmo que um crime fosse cometido, e já se armava sua “detenção preventiva”. Indo mais longe, Cesare Lombroso pregava no início do século passado que alguém estaria predestinado a ser mantiroso (ou violento, ou ladrão) baseando-se em suas assimetrias e medições faciais. Nos livramos de Lombroso, mas hoje há uma confusão, talvez proposital, entre definir formas de punição a delitos, e buscar maneiras de impedir que eles sequer ocorram. Levando o argumento ao limite, se todos forem proibidos de se expressar, não haveria como cometer crimes de calúnia, difamação ou injúria… Ou seja, até para coibir e punir abusos é necessário, a priori, haver liberdade de expressão para que, depois, se possa buscas os eventuais abusos. Suprimir a liberdade de expressão como forma de limitar abusos é condenar a priori, mesmo que travestido de proteção.
A carta sublinha riscos deste tipo. Certamente há necessidade de se discutir regulação de camadas sobre a Internet, mas preservando infraestrutura e indivíduos. Ao se buscar um regime uniforme para plataformas de transmissão de conteúdos , seja via Internet, seja pelos meios tradicionais de rádio e tevẽ, deve-se cuidar para não colocar no mesmo balaio os “broadcasters” e o que os indivíduos produzem com sua liberdade de expressão; Todos arcam, claro, com a responsabilidade pelas suas ações, mas sempre a posteriori e seguido o rito judicial canônico.
A carta aberta da ISOC a Justin Trudeau;
https://www.internetsociety.org/open-letters/open-letter-to-government-of-canada/
e uma análise da proposta lei canadense:
https://www.theglobeandmail.com/politics/article-what-is-bill-c-10-and-why-are-the-liberals-planning-to-regulate-the/
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Criptografia e UK:
https://bazzacollins.medium.com/how-the-nspcc-rigged-its-report-on-the-dangers-of-end-to-end-encryption-bcd4dce0c410
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Texto sobre Cesare Lombroso, na Wikipedia:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cesare_Lombroso
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Um resumo de Minority Report e o "trailer"
https://advocaciamarizdeoliveira.com.br/the-minority-report/
https://www.youtube.com/watch?v=8E0sX5So_uo
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