Houve um tempo em que nossas impressões e sentimentos expressavam-se em
puro texto. Era a época dos livros em que, totalmente enfeitiçados,
entrávamos na história contada e vivíamos os dramas e as vidas das
próprias personagens. Todo o tormento de Raskólnikov, de Crime e
Castigo, após ter matado a velha agiota, acudia à nossa mente e, juntos
com ele, expiávamos o crime indo passar uma temporada na Sibéria. O frio
não era menos real pelo fato de estarmos no trópico.
Tudo começou a mudar no final dos anos 80, ao menos do jeito que vejo. Em 1989, na Fapesp, eu trabalhava no Centro de Computação e tínhamos o privilégio bastante ímpar de poder usar uma conexão internacional à rede Bitnet, o que nos dava o dom de receber e mandar correio eletrônico!
O correio eletrônico gozava de uma característica única: você fazia parte de um seleto grupo de “conectados”, que trocavam mensagens entre si, independentemente do status dos interlocutores. Pesquisadores aos quais jamais sonharíamos ter acesso e, muito menos, de estabelecer diálogo, dignavam-se a responder a correio eletrônico vindo de obscuros correspondentes do Brasil. Bem, o fato é que tínhamos correio eletrônico na Fapesp e, logicamente, nosso pessoal, do CPD, falava com os recém-conhecidos amigos virtuais via Bitnet – a “Because It´s Time Network”.
A Paulinha, então analista júnior do CPD, estava trocando “e-mails” com uns estudantes norte-americanos que tinham o “luxo” de possuir acesso à rede em seus próprios aposentos – nos dormitórios.
Certo dia a Paulinha me veio, cheia de dúvidas, com uma resposta que recebera, em texto, lógico, mas com uns finais de sentença enigmáticos. Algumas frases terminavam com dois pontos, hífen, abre parênteses, e outras com dois pontos, hífen, fecha parênteses. Reunimos o time de “espert
os da área” e começamos a discutir qual seria o
sentido daquela pontuação... Uma nova forma de marcar o fim de uma
frase? Problemas de compatibilidade com o conjunto de caracteres usado
(ASCII)?
Não conseguimos uma resposta coerente. O jeito foi pedir à Paulinha que escrevesse ao correspondente “entregando os pontos” e pedindo e ele uma explicação do mistério. A resposta veio rápida. Quer dizer... rápida, na medida da época: um ou dois dias. Devíamos olhar aquilo girando o texto 90 graus. Assim, o enigma se tornaria uma “face triste” ou uma “face risonha”. Para nós foi o começo do que hoje se chama “emoticons”, e que à época batizamos de “caretinhas”.
Em textos curtos, telegráficos, sem dúvida uma “caretinha” ajuda na expressão da ideia. É fácil identificar algo pseudo-sério mas com intenção irônica ou humorística, se houver uma caretinha sorridente apensada. A sofisticação de buscar no leitor uma análise que vai identificar a ironia no sentido “literal”, entender a ideia que se quer defender mesmo usando de antinomia, ou de argumentação por absurdo, poderia ser abreviada ou suprimida com o uso de caretinhas. Se não há uma caretinha rindo ao final, provavelmente o texto deve ser lido literalmente. Se há uma caretinha, pode tratar-se de ironia.
Ganhamos ou perdemos com isso? Difícil responder. Certamente o trabalho mental foi facilitado, mas perde-se a sutileza e a complexidade da trama e da emoção. Afinal os hieróglifos, há quatro mil anos, também eram desenhinhos.
É um avanço?
Tudo começou a mudar no final dos anos 80, ao menos do jeito que vejo. Em 1989, na Fapesp, eu trabalhava no Centro de Computação e tínhamos o privilégio bastante ímpar de poder usar uma conexão internacional à rede Bitnet, o que nos dava o dom de receber e mandar correio eletrônico!
O correio eletrônico gozava de uma característica única: você fazia parte de um seleto grupo de “conectados”, que trocavam mensagens entre si, independentemente do status dos interlocutores. Pesquisadores aos quais jamais sonharíamos ter acesso e, muito menos, de estabelecer diálogo, dignavam-se a responder a correio eletrônico vindo de obscuros correspondentes do Brasil. Bem, o fato é que tínhamos correio eletrônico na Fapesp e, logicamente, nosso pessoal, do CPD, falava com os recém-conhecidos amigos virtuais via Bitnet – a “Because It´s Time Network”.
A Paulinha, então analista júnior do CPD, estava trocando “e-mails” com uns estudantes norte-americanos que tinham o “luxo” de possuir acesso à rede em seus próprios aposentos – nos dormitórios.
Certo dia a Paulinha me veio, cheia de dúvidas, com uma resposta que recebera, em texto, lógico, mas com uns finais de sentença enigmáticos. Algumas frases terminavam com dois pontos, hífen, abre parênteses, e outras com dois pontos, hífen, fecha parênteses. Reunimos o time de “espert
Não conseguimos uma resposta coerente. O jeito foi pedir à Paulinha que escrevesse ao correspondente “entregando os pontos” e pedindo e ele uma explicação do mistério. A resposta veio rápida. Quer dizer... rápida, na medida da época: um ou dois dias. Devíamos olhar aquilo girando o texto 90 graus. Assim, o enigma se tornaria uma “face triste” ou uma “face risonha”. Para nós foi o começo do que hoje se chama “emoticons”, e que à época batizamos de “caretinhas”.
Em textos curtos, telegráficos, sem dúvida uma “caretinha” ajuda na expressão da ideia. É fácil identificar algo pseudo-sério mas com intenção irônica ou humorística, se houver uma caretinha sorridente apensada. A sofisticação de buscar no leitor uma análise que vai identificar a ironia no sentido “literal”, entender a ideia que se quer defender mesmo usando de antinomia, ou de argumentação por absurdo, poderia ser abreviada ou suprimida com o uso de caretinhas. Se não há uma caretinha rindo ao final, provavelmente o texto deve ser lido literalmente. Se há uma caretinha, pode tratar-se de ironia.
Ganhamos ou perdemos com isso? Difícil responder. Certamente o trabalho mental foi facilitado, mas perde-se a sutileza e a complexidade da trama e da emoção. Afinal os hieróglifos, há quatro mil anos, também eram desenhinhos.
É um avanço?
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