terça-feira, 12 de junho de 2018

IPv6 e Tubarões


Uma improvável leitora avisa-me que a coluna faz quatro anos dia 16. O primeiro tema abordado foi o perigo do “desaparecimento da internet”, associado ao então próximo exaurimento dos números IP (Internet Protocol) na versão 4 (IPv4). Alertava sobre a necessidade da rápida adoção do IPv6, forma de garantir a expansão exuberante da internet. Semana passada comemorou-se o 60 aniversário da iniciativa global para disseminação do IPv6 (o IPv6 Day). Curiosamente, pode parecer ominoso ao místicos: afinal três 6 justapostos remeteriam ao temido “número da besta”...

Quanto ao IPv6, o Brasil está bastante bem: está entre os 10 países que mais expandiram o uso do novo protocolo, e entre 24 que ultrapassaram 15% de IPv6. Da lista dos “10 mais” constam, na ordem, Bélgica, Grécia, Alemanha, EUA, Uruguai, India, Suíça, Japão, Malásia e... Brasil! É um grupo estranho, com alguns membros menos óbvios, e de quatro continentes, reforçando que a necessidade da adoção impacta a todos. Por sinal a Bélgica, que lidera a lista, foi o primeiro país a superar 50% de conexões em IPv6.
IPv6 e tubarões
É confortador que um protocolo, criado em 1998 para suportar um crescimento vigoroso da internet, finalmente consiga 20 anos depois obter mais reconhecimento e atenção. Assim, pelo lado técnico há boas perspectivas de sobrevivência. Vamos bem.

Mas a internet, ao menos da forma como a conhecemos e como foi concebida, continua em risco. Sou dos que acham que, a despeito das mazelas, aporrinhações e riscos, os benefícios que uma rede única e ubíqua nos traz são incomparavelmente maiores. E quem a coloca em risco, muitas vezes, é quem, na ânsia de remendar e contornar problemas, acaba por criar outros ainda mais graves. Palavras-chave muito ouvidas hoje, como “riscos aos usuários”, “notícias falsas”, “manipulação de fatos”, “arregimentação de incautos”, mesmo representando a realidades da rede, não deveriam ser conduíte para medidas que podem levá-la à fragmentação e deformação, pela perda de suas características principais de abertura e liberdade.

Quando se pensa em adaptar a rede a um agrupamento social ou país, é grande a tentação de extrapolar as fronteiras nacionais e impor seu pensamento à rede toda. Na internet só funciona o que é globalmente aceito: regulamentos locais tenderão a falhar, ou arruinarão a unicidade da rede. É o momento de se discutir a extraterritorialidade de jurisprudências, tema que é cada vez mais crítico.

Mesmo dentro de fronteiras, há que se ter muita cautela em propor leis. Valeria mais, talvez, fomentar a conscientização dos cidadãos quanto ao uso adequado.

Uma comparação, que não se pretende jocosa, é com os riscos do mar. Há, por exemplo, ataques de tubarões no Recife, em praia considerada de risco. Como diminuir esse risco? Certamente o tubarão não reconhece nem respeita leis nacionais. Também não há como “multá-lo” ou “prendê-lo”. Ainda menos sentido faria uma caça indiscriminada visando sua eliminação, ou então, que se proíba o acesso ao mar. Ao lado de eventuais providências técnicas que diminuam os riscos, o básico é incutir-se consciência deles, e agir de acordo. Eduquem-se os usuários, sem esquecer que há – e continuará a haver – tubarões.



Países com mais de 15%  de penetração de IPv6, segundo:
https://www.internetsociety.org/blog/2018/06/six-years-after-state-of-ipv6-deployment-2018/


Um comentário:

Unknown disse...

Quanto mais regular pior é o efeito. Gerenciem se os riscos e as ações punitivas legais. A rede é uma ferramenta e no nunca vai remediar a índole humana. Sempre vamos ter fake news, bullying e outras mazelas. Isso existe desde os primórdios, em outras ferramentas.