A Internet abriu uma frente desafiadora em todas as áreas, incluída a economia. Ao passar do material para o incorpóreo, dos átomos para os bits, surgem formas de ignorar a “escassez” e criar a “abundância”, tanto na informação como na economia. Essa migração não é, entretanto, indolor. Gera grandes tensões entre os modelos tradicionais, que medem e se baseiam na substância concreta, finita e cara, e as transações imateriais, que usam bits sem peso e com fácil e quase infinita replicabilidade.
Não é um paradoxo recente. Em março de 1994, John Perry Barlow, um dos fundadores da EFF (Electronic Frontier Foundation) publicou o instigante texto Vendendo Vinho sem Garrafas, em que trata da nova “economia das ideias”. Usou na abertura uma citação de 1813 em que Thomas Jefferson, numa antevisão de mais de 200 anos, diz “quem recebe uma ideia minha, a recebe sem me tirar nada. As ideias devem fluir livremente no mundo, para a educação e melhoria do homem. E assim como a chama de uma vela acende outras sem diminuir a própria luz... A luz não é passível de confinamento ou de apropriação exclusiva por um indivíduo”. As ideias na Internet, independentemente de sua qualidade ou veracidade, circulam livremente, a baixo custo e transmudadas em bits.Na mesma linha, em 1995, Nicholas Negroponte, do MediaLab (MIT), publicou Being Digital, livro que trata do futuro das tecnologias digitais, ressaltando que a migração da matéria (átomos) para o digital (bits) teria um enorme impacto, remodelando a economia, mudando drasticamente o centro do poder e afetando nossas interações sociais.
Modelos tradicionais são questionados e substituídos pela Internet. A seleção quase darwiniana que se opera na rede decidirá quem soube se adaptar ao novo ambiente e quem, na ânsia de preservar seu nicho tradicional, estará fadado à futura insignificância, ou mesmo à extinção. É uma mudança drástica e cruel, cujos contornos estão longe de serem definidos ou mapeados.
Átomos ocupam lugar no espaço, pertencem à geografia e, portanto, conhecem e podem ser afetados por fronteiras físicas. Bits, como as ideias, ignoram esses limites. Seguindo o raciocínio de Barlow, é fácil controlar, proteger ou etiquetar garrafas, mas nosso “vinho virtual”, em bits e sem recipientes que o contenham, escapa entre os dedos.
Quando discutimos processos na rede, como o de replicação de conteúdos ou o de imposição de limites em volume para conexões fixas à Internet, nos defrontamos com argumentos que se aplicariam ao debate baseado na “escassez” da matéria, na natureza dos átomos, na facilidade de seu controle. Um viés que ignora que agora estamos falando de bits e de imaterialidade.
Barlow enuncia três postulados provocativos, aos quais vale a pena dedicar mais atenção e que se relacionam com o trabalho de Claude Shannon, o pai da teoria da informação nascido há cem anos. Propõe Barlow que informação é uma atividade, que informação é uma relação e... que informação é uma nova forma de vida. Afinal, não é isso que vemos acontecer hoje, o tempo todo, na Internet?
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