segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Pelas bordas

Há consenso em que neutralidade na rede implica em não cercear origens e destinos na internet mas, quando eu mando algo ou tento acessar um site, como a rede acha o caminho? Afinal, a internet não tem GPS e não existe um Guia das Rotas Mundiais…

Vamos começar pelo princípio: em geral, para ir a algum lugar eu escrevo um “nome de domínio”. É como dar um nome de pessoa a quem se quer telefonar ou de uma rua para onde enviar uma encomenda. Não basta. Da mesma forma que no Brasil temos um CEP associado ao endereço para definir geograficamente para onde se quer ir, um “nome de domínio” deve ser traduzido para um número IP, que nos remeterá a uma região da internet. Os números IP estão associados a sub-redes que são partes dos “sistemas autônomos” (SA). A analogia (sempre imperfeita) com o correio seria: ao saber o CEP sei o Estado e região a que me refiro. Se conseguir chegar até lá, o correio local cuidará do resto…

A internet é constituída de milhares de sub-redes, os SA, que possuem administração própria e política interna de roteamento. Assim, se meu pacote chegar à fronteira do SA pretendido, o encaminhamento passa a ser responsabilidade da sub-rede. A pergunta que permanece: como a internet saberia direcionar o pacote até o SA de destino?

Cada SA gera, dinamicamente, a partir das informações que seus vizinhos repassam (os outros SA) uma tabela de caminhos na rede. Um protocolo específico, o BGP (Border Gateway Protocol) explica como se processa esse intercâmbio. O nome do protocolo revela a essência: trata-se da maneira que um SA repassará informações além de sua “borda”. É como aquela antiga conversa de vizinhos porta a porta. Outra analogia, menos anacrônica é com os sistemas que ajudam, hoje em dia, os motoristas a escolher as melhores rotas. A partir de informações de congestionamentos, eventos, distâncias e tempo, eles sugerem uma rota e uma previsão de duração para o percurso.

Tanto no caso da rede, quanto no caso do trânsito, há forte confiança na comunidade. Ambos funcionam porque os segmentos colaboram de forma positiva e honesta. Se alguém passasse a informar acidentes de trânsito inexistentes a ajuda que o sistema de trânsito nos dá poderia ser contaminada. Também na internet, se um sistema autônomo “enlouquecer” e passar a divulgar rotas irreais, durante algum tempo haverá uma “perturbação na força”, e as coisas ficarão momentaneamente confusas.

No Brasil, é o NIC.br quem fornece o número a cada um dos SA nacionais. Ele fornece também, preventivamente, um “telefone vermelho” que pode ser usado nos casos em que algo realmente anormal ocorra.

O que se espera de uma rede neutra é que as informações recebidas para roteamento sejam adicionadas àquelas localmente geradas e o conjunto seja passado à frente sem modificações ou “truques”, que privilegiem ou eliminem alguma rota em especial.

Como no trânsito, é possível escolher rotas mais rápidas ou menos esburacadas. O trajeto pode depender das condições do momento, mas não de alterações artificialmente embutidas no sistema, que prejudiquem terceiros.

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https://link.estadao.com.br/blogs/demi-getschko/pelas-bordas/
08/02/2016 | 08h00

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