Um “socrático” (S) e um estudioso (T) conversam:
S: Que pensa da suspensão do WhatsApp, T? Foi correta?
T: Sim! Afinal eles não atenderam a uma solicitação judicial.
S: E haveria essa obrigação por parte deles?
T: Ora, se estão operando no País, devem acomodar-se às leis nacionais. É o certo!
S: Faz sentido, T. Ocorre-me, porém, uma dúvida, veja: as leis nacionais proíbem, por exemplo, jogos de azar, mas há os que vão a cassinos no exterior jogar. Parece-lhe lícito? O País não deveria proibir isso?
T: Ah, mas trata-se de outra coisa. Pode ser lícito jogar no exterior. Não há nem como, nem por quê impedir um cassino de operar em outro país.
S: É bem lógico. Mas,T, e se um cassino é acessível via internet? De alguma forma ele estaria “operando no País” (as apostas poderiam até ser feitas pelo telefone…). Não seria o caso de fechá-lo?
T: Bem, agora você me complicou. Acho que sim… e acho que não. Decidi: acho que não! Ser acessível via internet ou telefone não é o mesmo que operar no País. Seria como impedir a leitura de livros cujo conteúdo não estivesse de acordo com as leis num determinado país, o que me parece violar liberdades…
S: Muito bem, T. Deixemos isso um pouco de lado e me esclareça uma segunda pergunta: uma solicitação da Justiça deve ser sempre atendida?
T: Claro! Não paira aí nenhuma dúvida. Há que se atender, sempre!
S: Concordo, T. Mas, digamos, alguém ordena a você que relate todas as conversas entre terceiros em que você esteve presente. Você certamente atenderia, não?
T: Não creio que conseguisse. Não é minha função prestar atenção às conversas dos outros. Mesmo que passem pelos meus ouvidos, eu não as escuto. Não teria como atender.
S: Nesse caso, você estaria violando a ordem judicial?
T: Não. É uma ordem que eu não teria como atender por motivos pragmáticos, não apenas por ética pessoal. Mas você não está querendo dizer que a ordem ao WhatsApp era desse tipo, está?
S: Claro que não. Mesmo porque não sei qual era a tal ordem: está sob segredo de Justiça. Você admitiria, então, que há ordens impossíveis de atender?
T: Sim, admito. Se me ordenassem, por exemplo, que flutue no ar, tampouco conseguiria!
S: Pensando em uma ordem possível de ser cumprida, que castigo você imporia a quem não a atendesse?
T: Não sou juiz, mas imagino que caberia impor uma penalidade ao agente. Mas que não afetasse terceiros inocentes.
S: Outra dúvida, T: o funcionamento do WhatsApp, aqui ou acolá, viola a lei?
T: Não é o que me parece.
S: Então, T, ainda que fosse possível suspender por completo o serviço, isto pareceria excessivo?
T: É o que penso, S.
S: Por último, não causa espanto que uma lei como o Marco Civil da internet, criada para proteger indivíduos e estruturas de ações excessivas, mesmo que bem intencionadas, seja invocada exatamente quando a ação reflete algo que o MCI visava evitar?
T: De fato S, de fato! E, em sua opinião, porque isso estaria ocorrendo?
S: Tudo que sei é que nada sei. Minha ação é de “parteiro” da verdade. “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe nosso pensar”, caro T.
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12/01/2016 | 12h05
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