segunda-feira, 27 de julho de 2015

Homo Connectus

Pego carona em “atenção, a barbárie vem aí, disfarçada de conquista científica”, do texto do Luis Fernando Veríssimo (“Epa”, publicado no Estado no dia 16 de julho). Em mais de 35 anos de existência, a Internet “sobreviveu” a ondas de novos entrantes, indivíduos, instituições, mercados e fez com que estes se adaptassem às regras de convívio e à valorização dos conceitos de rede aberta e livre.

Lembro de discussões via correio eletrônico, e dos repetidos apelos ao uso da “netiquette” (a “etiqueta” da Internet) pelos bem-intencionados. A difícil identificação de emoções/ironias no texto curto do e-mail gerava inúmeros mal-entendidos, depois amenizados com a inclusão dos emoticons.

Hoje temos uma ferramenta que permite a liberdade de expressão mas, ao mesmo tempo, pode ser usada para açular “pulsões primitivas”, como vemos em linchamentos virtuais… e reais. É o risco que o Veríssimo aponta.

Há outros riscos tecnológicos, talvez menos óbvios. A tentação do conforto e da sensação de poder que “a tecnologia a nosso serviço” desperta pode fazer-nos relevar o preço que cobra. Mesmo sem Internet, parece muito confortável passar por um pedágio e pagar automaticamente com um chip RFID instalado no carro.

Porém, esse dispositivo responderá também, e à nossa revelia, sempre que provocado externamente por outros leitores que não os dos pedágios. De qualquer forma, com o uso do celular já estamos informando nossa localização o tempo todo, ao menos para o operador e, provavelmente, para outros interessados.

Queremos decidir sobre o que mostrar. A conexão, porém, funciona nos dois sentidos e, mesmo que não seja nossa intenção alimentar o mundo com dados pessoais, eles são alvo de cobiça. Privacidade é matéria frágil.

Dispositivos RFID subcutâneos facilitam a identificação segura e podem carregar outros dados. Num acidente, a consulta ao RFID pode mostrar tipo sanguíneo da vítima, se é doadora, onde achar sua ficha médica. Parece positivo. O RFID responderá a quem pedir seu conteúdo, sem que sejamos informados disso. Um risco que pode ser desproporcional à vantagem.

Em um artigo de 2007, o Pew Research tratou do “homo connectus”, o “ser humano conectado”, candidato a suceder outros, como o “sapiens”, o “faber”, e o “ludens”. O homem conectado participa da grande rede, mas se não tem controle de suas conexões é apenas um elo inconsciente dela.

Lembra-me os experimentos em que eletrodos ajudam a mapear a atividade cerebral de cobaias. Estaremos conectados à rede, sem dúvida, mas preservemos nosso discernimento e controle sobre o que colocar à disposição dos outros. Uma ferramenta de liberdade como a rede não pode servir para transformar elos em grilhões.

Ulisses, em sua jornada de volta ao lar, passou ao largo da ilha das sereias cujo canto era tentação irresistível. Por isso colocou cera nos ouvidos de toda a tripulação e, não querendo privar-se de ouvir, fez-se amarrar ao mastro para não perder-se. É belíssimo o canto da tecnologia e, claro, não queremos nem que nos coloquem cera nos ouvidos, nem que nos amarrem a um poste. Conseguiremos ouvi-lo sem rendermo-nos a ele?

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https://link.estadao.com.br/noticias/geral,homo-connectus,10000051553

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Viva a diferença!

Trabalho na área de Tecnologia da Informação (TI) há 44 anos e convivo com excelentes profissionais, mulheres e homens. Nos anos 70, a computação era uma área muito procurada e já havia grande contribuição feminina. Se essa participação aumentar, ainda melhor. Mas quando vejo campanhas como “mais mulheres em TI” ou “mais homens em enfermagem”, algo me incomoda. Lutar por homogenia não é o mesmo que lutar por direitos iguais.

Essa impressão foi reforçada ao ver na Internet um vídeo norueguês. É dado indisputável que a Noruega é um dos países mais avançados no que tange a oportunidade iguais. Mesmo assim o vídeo traz o que parece um paradoxo: após décadas de avanços, o cenário é muito diverso: 90% dos engenheiros civis são homens, 95% dos enfermeiros são mulheres e, estranhamente, essa polarização teria crescido nos últimos anos. Um contrassenso? Algo vai mal e precisa ser corrigido?

Há especialistas que defendem o fator cultural como único determinante pelo desequilíbrio nas opções de carreira entre os sexos. E há outros, que explicam isso majoritariamente pela diferença de vocação inata que os sexos apresentariam.

Sim, haveria tendências diferentes para uma ou outra ocupação. Claro que isso não é uma tábua rasa: há brilhantes engenheiras (e em minha família!) e enfermeiros dedicadíssimos, mas buscar uma distribuição igual nas ocupações entre sexos é, a meu ver, errado e perigoso.

O vídeo termina com uma conclusão interessante: num país igualitário como a Noruega, as vocações florescem livremente e cada indivíduo opta pelo que quer, pelo que lhe agrada.

Já num país menos igualitário, a discriminação pode desembocar numa pressão sobre os indivíduos, fazendo-os crer que “colaborariam mais com a causa” se escolhessem profissões associadas ao outro sexo.

Sobrevivemos e evoluímos darwinianamente para nos tornarmos o que somos. Fatores culturais são importantes e é vital sua revisão cuidadosa, mas isso não passa por ignorar a biologia.

Não creio sermos uma espécie estranha em que as opções independam de cromossomos e dos hormônios que agem sobre nós. Não vai aí nenhum juízo de valor, mas afirmação da diferença. A igualdade pressupõe tratamento equânime e que independe de nossas opções, não uma distribuição homogênea e igualitária delas.

Mulheres são mais da metade dos universitários. Seu nível médio de educação ultrapassou a dos homens há tempos. A luta deve ser pela abolição de quaisquer barreiras ou discriminação, mas a negação da biologia não faz parte desse cardápio.

Onde termina a biologia começa a cultura, que inclui história, ideologia, crença e dogma. Pode-se transformar radicalmente a cultura em poucas décadas. Não é caso da herança genética. Preocupa-me a crescente caudal dos que propõem ignorar a natureza e considerar apenas aspectos culturais.

Chesterton afirma ser fácil seguir a corrente: até um cachorro morto a segue. Ir contra ela, entretanto, requer vida. Só um ser vivo e com possibilidade de escolha consegue ir contra a corrente. A espécie humana está, felizmente, ainda viva.