“...
e
o que vocês sussurraram aos ouvidos, dentro de casa, será
proclamado dos telhados”
Lucas
12:3
Houve um
tempo em que a Internet era considerada o livre mundo da anonimia, da
invisibilidade na ação, do não monitoramento, Lá se podia
interagir sob o manto de um pseudônimo e a nossa navegação nunca
seria rastreada. Mas essa concepção da rede é fundamental e
tecnicamente errada. Sem falar nas recentes revelações de Edward
Snowden, os desenvolvimentos e serviços que surgem comprometem
ainda mais a possibilidade da ação anônima na Internet.
O primeiro
aspecto a considerar é que a tudo na Internet depende de protocolos.
Se visitamos um sítio, nossa intenção de lá entrar é conhecida
pelo servidor, que nos dará (ou não...) permissão de acesso. E,
claro, todos somos identificados pelo nosso número IP, tanto
visitantes como visitados. Assim, ao contrário de serviços no
mundo tradicional, onde podemos ouvir rádio ou assistir à TV sem
que as emissoras apercebam-se disso, um acesso a um emissor de rádio
na Internet depende de autorização para que nosso IP possa receber
o fluxo de dados correspondente e, certamente, esse fato pode ser
arquivada para o futuro. Ou seja, uma emissora na Internet sabe
exatamente que IPs recebem seus dados a cada instante.
Mais que
isso, e até para algum conforto adicional, muitas vezes somos
“carimbados” pelos sítios que visitamos para sermos reconhecidos
em uma eventual volta. Como o que se passa quando alguém sai de uma
festa mas a ela pretende voltar em seguida. Esses “carimbos”, os
“cookies”, nos facilitam a vida porque não precisamos nos
reidentificar a cada passo mas, por outro lado, deixam em nosso
sistema marcas que podem durar por bastante tempo. O navegador que
usamos exibe os “carimbos” quando voltamos ao sítio, para sermos
reconhecidos como usuários e para que uma interação, eventualmente
interrompida, possa continuar de onde parou. Podemos instruir o
navegador para que não aceite “cookies”, mas isso pode ser um
estorvo grande para a nossa interação.
Outras
ameças existem: o uso da rede para armazenamento de dados pessoais
pode expô-los aos que gerem os serviços. Pode acontecer com o nosso
correio eletrônico, com listas de endereços, com redes sociais. A
capacidade assombrosa de processamento que há hoje permite que se
possa ir além: pedaços de informação como palavras que buscamos,
números IP usados, horários e sítios que visitamos, podem ser
agrupados e acumulados, identificando-nos virtualmente. Mesmo que
nossa identidade não esteja claramente lá, a individualização da
informação levará fatalmente a que sejamos localizáveis pela
tecnologia conhecida como “big data”. E com a adição, em breve,
de nossos equipamentos caseiros à “internet das coisas”, ainda
mais dados, preferências e características pessoais serão
automaticamente coletáveis.
O Marco
Civil trata da preservação da privacidade possível, ao restringir
a coleta de informações àquelas que são diretamente ligadas à
transação em curso. É claro que quando usamos um banco pela rede,
tanto o banco como nós mesmos devemos ter certeza de quem é o
interlocuotor. Idem se compramos algo pela rede, a ser entregue em um
endereço físico. Nossa privacidade depende do contexto: ela é
diferente numa roda de amigos, numa livraria ou num banco. Mas,
certamente, não é assunto da livraria ou do banco saber quais são
nossos amigos, da mesma forma que não compete a quem nos transporta
ao banco ou à livraria saber o que fomos fazer por lá. O Marco
Civil estabelece que as infomações coletadas devem ser as que dizem
respeito ao dado contexto, que devemos ter sempre o direito de saber
quais informações serão coletadas e que podemos, em caso de não
concordar em usar o serviço, de pedir que nossos dados sejam
descartados.
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