terça-feira, 3 de junho de 2025

CGI Balzaquiano

Trinta anos é um marco! Além do conceito balzaquiano de maturidade e plenitude, vem à mente o belo livro de Paulo Francis, “Trinta anos nesta noite”, publicado em 1994. Foi exatamente em 31 de maio de 2025 que o CGI comemorou 30 anos de criação, numa portaria conjunta de dois ministros: o das Comunicações (Sérgio Motta) e o da Ciência e Tecnologia (José Israel Vargas). Não por coincidência, no mesmo dia Sérgio Motta publicava uma portaria - Norma 4 - definindo a separação entre telecomunicações e Internet. Em 2009, dezesseis anos depois, o CGI publicava o Decálogo de Princípios para a Internet que, em 2014, seria a base do Marco Civil.

O espaço de liberdade, inovação e comunicação que a Internet criava foi, tempestivamente, muito bem entendido no Brasil, pioneiro em criar um órgão multissetorial que orientasse a evolução da rede que chegara ao país havia 4 anos. Essa antevisão foi festejada nos círculos mundiais de Internet, e serviu de inspiração para muitas iniciativas multissetoriais. Complemento virtuoso: os recursos que, desde 1997 passaram a vir com a cobrança de registros sob o .br, foram redirecionais para a própria Internet no Brasil, via um conjunto de ações que o NIC.br implementa e suporta.

Mas, como diria o Barão de Itararé, “tudo seria fácil, se não fossem as dificuldades…”. O que começou distribuido, compartilhado e apoiado nas ações de cada um foi, em curto tempo, concentrando-se em redes sociais, plataformas e sistemas que, se por um lado prometem conforto e facilidade aos usuários, por outro podem levá-los a uma realidade sintética e enviesada. E ainda sem falar da IA, que nos espreita ao virar da esquina, com uma eventual redefinição de “realidade”...

As redes sociais nasceram como espaços livres, mas tornaram-se campo de batalha entre inovação, segurança e privacidade. Em 2025, mais de 4,7 bilhões de pessoas — cerca de 60% da população global — estão conectadas a plataformas digitais. No Brasil, onde a Internet alcança 80% da população, elas são parte do cotidiano, do empreendedor que precisa anunciar, ao jovem que busca pertencimento. E é aí, especialmente aos menores de idade, que o impacto das plataformas tem gerado inquietação e mais discussões sobre regulamentação. Há leis que podem ser usadas: o ECA, leis sobre calúnia e difamação etc, mas é importante destacar o que o decálogo já apontava: busquemos os reais autores, sejam eles humanos, sejam algoritmos que decidem o que enviar, e a quem.

Um dos temas que o CGI apresentou no evento de seus trinta anos foi uma proposta inicial para um novo decálogo, esse sobre Princípios para Regulação de Redes Sociais. O documento foi colocado em consulta pública, visando a contribuições e aprimoramentos.

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Trinta anos do CGI:
https://www.estadao.com.br/link/demi-getschko/trinta-anos-de-cgi-os-paradoxos-que-a-internet-criou-no-brasil/

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Frases impagáveis do Barão de Itararé:
https://observalinguaportuguesa.org/82413-2/

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O livro do Paulo Francis, de 1994:



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Tipologia de redes sociais:
https://dialogos.cgi.br/tipologia-rede/documento/

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O decálogo sonbre redes sociais colocado em consulta pública:
https://cgi.br/publicacao/sistematizacao-das-contribuicoes-a-consulta-sobre-regulacao-de-plataformas-digitais/

https://www.cgi.br/noticia/releases/cgi-br-lanca-proposta-de-principios-para-a-regulacao-de-redes-sociais-e-abre-consulta-para-receber-contribuicoes-da-sociedade/

1. Soberania e segurança nacional
2. Liberdade de expressão, privacidade e direitos humanos
3. Autodeterminação informacional 
4. Integridade da Informação
5. Inovação e desenvolvimento social
6. Transparência e prestação de contas
7. Interoperabilidade e portabilidade
8. Prevenção de danos e responsabilidade
9. Proporcionalidade regulatória
10. Ambiente regulatório e Governança Multissetorial



terça-feira, 20 de maio de 2025

Um lobo!

Não se sabe muito sobre Esopo, que teria vivido no século VI a.C: segundo a tradição, foi escravo e conquistou sua liberdade graças à sua invulgar inteligência e sabedoria. Suas fábulas atravessaram os séculos e continuam servindo como apóstrofe e advertência para muitas situações contemporâneas. Uma delas, a do menino que gritava “lobo!”, me veio à mente enquanto testava o que se consegue hoje com as diversas ferramentas de IA disponíveis.

Na citada fábula, um pastorzinho querendo se divertir com a reação dos aldeões, grita “lobo!” enquanto apascenta suas ovelhas. Claro que todos saem em socorro do pastor, mas revela-se que eram “fake news” – não havia lobo. Satisfeito com o resultado, passados alguns dias o pastorzinho renova a pegadinha: “lobo!”. De novo o pessoal acorre e, de novo, não há lobo nenhum. Mais algum tempo se passa e, de repente, um lobo real e poderoso aparece. O pastor, desesperado, clama “lobo!” mas, desta vez, os aldeões, vacinados pelas mentiras anteriores, não comparecem. O resultado é que o lobo devora o rebanho.

A analogia que me veio à mente é com as ondas de inteligência artificial, seus ciclos de promessas, frustrações e renascimentos. Por repetição ou exagero de propaganda, IA acabava por ser desacreditada até que, enfim, o “lobo” apareceu.

A primeira onda da IA, nascida no entusiasmo das décadas de 1950 e 60 quando a computação já amadurecia, prometeu máquinas pensantes, lógicas, capazes de simular o raciocínio humano. Foi a época do Eliza (1966) e outros sistemas interativos, mas que frustraram as expectativas, mostraram-se simplórios e distantes da promessa. O resultado foi o primeiro “inverno da IA”, com o fim de investimentos na área…

Após o primeiro “inverno”, veio a segunda onda, 1980 e 90, com uso intenso de estatística, e a proposta de redes neuronais. Foi marcada pelo aumento na capacidade de processamento, com avanços notáveis em reconhecimento de padrões e em tarefas específicas, mas IA em si ainda parecia mais propaganda do que uma transformação estrutural em curso. Em 1997, o “Deep Blue” da IBM, usando computação de “força bruta” e sem aprendizado, derrotou Kasparov: a máquina ameaçava o homem, mas o público desacreditava de sistemas que aprendessem. Ainda não era o “lobo”. Seguiu-se outro “inverno” de IA.

A terceira onda vem em 2010 com aprendizado profundo de máquina, sistemas generativos criando textos e imagens sintéticas com muita verossimilhança, a “Era da Experiência”. Além de sistemas que digerem o que há no mundo e agem de forma autônoma, agora eles otimizam estratégias e propõem suas próprias perguntas. Em breve IA estará implantando soluções que não passaram pelo crivo humano. O “lobo” agora é real e está no meio de nós, silencioso e efetivo. O risco não está em reagir demais — está em não reagir mais.

Outro sinal dos tempos são os bonecos que simulam crianças: os tais “reborn”. Há os que se apegam a eles intensamente, a ponto de superar seu vínculo com humanos. Será o “lobo da IA” um “reborn” que vai substituir nossas conversas com amigos e nossos relacionamentos emocionais? Alerta!

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A fábula:
https://www.fabulasdeesopo.com.br/p/o-menino-do-pastor-e-o-lobo.html



os invernos da IA:
https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2018/10/29/a-historia-da-inteligencia-artificial/

algumas previsões preocupantes:
https://ai-2027.com/





terça-feira, 6 de maio de 2025

Boutades

Há décadas provocava-se: “os computadores vieram prá resolver os problemas que antes não tínhamos…”. E certamente há circunstâncias em que essa ironia se aplicaria. Afinal, boa parte do “esforço computacional” que fazemos destina-se a nos proteger dos riscos e ameaças que outros “esforços computacionais”, nefastos, segundo nossa avaliação ética, fazem ao nosso espaço. Se extrapolarmos essa análise ao que a IA promete trazer, a frase deixa de ser uma boutade para se tornar um truísmo.

Um exemplo atual desse paradoxo é a corrida, constante e acelerada, entre a capacidade de gerar imagens e vídeos sintéticos hiper-realistas e as ferramentas que buscam detectá-los. Ambos os lados da disputa são alimentados por IA: tanto os sistemas que criam a "meta-realidade" artificial, quanto aqueles que almejam distinguir o real do falso. Essa dinâmica lembra a corrida interminável entre vírus de computador e antivírus — um jogo, talvez simulado, de “gato e rato”, cujo desfecho permanece incerto.

Noticiou-se recentemente que as IAs já conseguem incluir respiração e expressões emocionais sutis nas personagens que figuram em vídeos sintéticos. Um dos métodos antes utilizados para identificar fraudes visuais baseava-se justamente na ausência de minúcias como padrões de batimento cardíaco, microvariações de coloração da pele associadas à emoção, ou flutuações quase imperceptíveis da respiração. Pois bem, os geradores de vídeo já imitam esses sinais e o “crivo” de detecção precisa ser revisitado. Novas ferramentas, novos indicadores, até que eles sejam novamente ultrapassados. Se essa luta é ou não inglória, o tempo dirá — os que sobreviverem verão.

Em solução de problemas, o lado positivo é que IA permite uma investigação e correlação de volumes gigantescos de dados em tempos irrisórios - um feito impossível a humanos... Uma solução eficiente para uma vasta gama de problemas que exigiriam anos de decantação. Nesse espírito, artigos recentes sugerem que a IA já superou o “teste de imitação” de Turing: em inúmeros casos, a resposta fornecida por um LLM é mais coerente e bem articulada do que a esperada de um ser humano médio. IA imita o comportamento humano com a vantagem computacional ao digerir dados em larga escala. Ainda não estamos, claro, diante da IAG, Inteligência Artificial Geral, mas o crivo de Turing parece hoje superável.

Ressurge a provocação inicial: se a IA já assimilou a produção intelectual da humanidade, o próximo passo seria a criação autônoma de problemas e soluções? Em outras palavras: após resolver os problemas que achávamos ter, a IA passaria a propor problemas próprios, e a resolvê-los sem nossa participação? Pior: pode-se imaginar que a avaliação da qualidade dessas soluções também dispense a intervenção humana: o homem deixaria de ser a “medida de todas as coisas”. Se, como diz Nietzsche, “não há fatos, apenas interpretações”, essas interpretações já não nos pertenceriam mais. “Problemas que antes não tínhamos”? Sim, e talvez agora nem sejamos mais nós a nomeá-los.

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https://www.estadao.com.br/link/demi-getschko/a-ia-pode-ter-tirado-dos-humanos-a-capacidade-de-determinar-o-que-sao-problemas-ou-nao/

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Boutade:
https://www.dicionarioinformal.com.br/boutade/


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Sobre "batimentos cardíacos" em vídeos sintéricos:
https://noticias.r7.com/internacional/deepfakes-podem-apresentar-batimentos-cardiacos-para-dificultar-a-sua-identificacao-03052025/

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Sobre IA com "iniciativas":
https://storage.googleapis.com/deepmind-media/Era-of-Experience%20/The%20Era%20of%20Experience%20Paper.pdf

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Sobre superação do Teste de Turing:
https://spj.science.org/doi/10.34133/icomputing.0102

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terça-feira, 22 de abril de 2025

Os rossios digitais

Aproveitando a época que nos leva a recordações, houve nos últimos vinte anos uma coleção de abordagens sobre mudanças que o mundo digital trazia. Palestras de Iochai Benkler na USP, textos de Lessig, de Imre Simon, o conceito de “modernidade líquida” de Zygmund Bauman e outros, trataram, com mais ou menos otimismo, das profundas alterações por que o mundo passa. E um objetivo que parece cada vez mais irreal é tentar um mapeamento entre o mundo digital e o estamento legal e social que tínhamos. Essa busca de ajuste pode nos levar a dois erros: o de tentar classificar as coisas novas ajustado-as aos paradigmas anteriores, ou ao de simplesmente ignorar ou minimizar o que acontece, até por ser difícil de entender por toda sua complexidade.


Destacando algumas das características do “mundo líquido” em que entramos e apontadas por muitos, teríamos: a abundância tomando o lugar da escassez, especialmente ligada à produção praticamente sem custos de informação, de entretenimento e comunicação - a imaterialidade dos novos bens, e o fim do conceito de distância geográfica. Dependendo das condições técnicas de momento na rede, é tão fácil acessar uma base de informação na mesma cidade, como páginas web hospedadas em outro continente. Informação recém gerada ou coletada algures, estará disponível em minutos para o consumo e disseminação geral.

De uma forma algo romantizada, o que a Internet nos trouxe poderia ser visto como um reviver do o conceito de “rossio”, ou de “commons” em inglês. As duas palavras não são totalmente congruentes, mas coincidem em trazer a idéia de “recurso de uso coletivo e livre”. Exemplos históricos seriam a Wikipedia, criada coletivamente e colocada à disposição da comunidade e, numa área mais técnica, a simbiose que gerou sistemas abertos como o Linux e afins. O trabalho voluntário e colaborativo de muitos, pelo mundo, gerou produtos que, de alguma forma, desafiaram os tradicionais, criados dentro de empresas de grande porte e com um corpo técnico muito especializado. Outro exemplo mais recentes dessa ruptura é o surgimento e popularização de tipos de licenças abertas, variadas, os “crative commons”.

Como numa gangorra, sucedem-se momentos de grande otimismo com uma reanálise ácida dos novos riscos trazidos. A idéia do rossio, comum e aberto, não impede que surjam formas de explorá-lo. Somos atraidos a fazer parte de agregados, centrados em plataformas específicas, nos alíviariam da necessidade de buscar ativamente por variedade de informações. Um conforto que pode nos levar a posições passivas e comodistas. No afã de fidelizar usuário, sistemas usam algoritmos que aumentam a sensação de pertencimento: de alguma forma premia-se a permanência do usuário fornecendo-lhe mais daquilo de que ele parece gostar. Se a internet acenou com “commons” onde todos teriam acesso geral a informação e comunicação, o aglutinamento de seus usuários em torno de serviços e plataformas volta a gerar um mundo compartimentado, agora não geograficamente, mas digitalmente. E segue a gangorra. Segundo Bauman, “… na modernidade líquida a única certeza é a incerteza”.

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https://www.estadao.com.br/link/demi-getschko/mudancas-digitais-desafiam-paradigmas-sociais-e-legais-da-modernidade-liquida/

https://www.lexico.pt/rossio_2/
Significado de Rossio
m. Terreno, que era roçado ou fruído, em commum, pelo povo. Logradoiro público. Lugar espaçoso; terreiro; praça larga. (Port. ant. ressio V. ressio)





Obituário de J. C. Barlow:
https://www.theguardian.com/technology/2018/feb/11/john-perry-barlow-obituary

Iochai Benkler na USP:
https://www.iea.usp.br/midiateca/apresentacao/riqueza-das-redes-simon/at_download/file

Linux e Imre Simon:
https://br-linux.org/wparchive/2009/morre-imre-simon.php

Lawrence Lessig, e Creative Commons
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lawrence_Lessig
https://pt.wikipedia.org/wiki/Creative_Commons




terça-feira, 8 de abril de 2025

Bolo com arenque



Em 31 de maio o Comitê Gestor da Internet no Brasil completa 30 anos. O duplo político-técnico, que envolve a operação do .br desde 1989 mais o CGI desde 1995, sempre foi reconhecida mundialmente por sua postura coerente na defesa da Internet e seus princípios originais, a par de um funcionamento técnico de escol.

Em 1995, num mesmo dia, houve a criação do CGI por portaria conjunta do ministro da Ciência e Tecnologia, José Israel Vargas, e do ministro das Comunicações Sérgio Motta, e outra portaria, do ministro Sérgio Motta, estabelecendo o que se conhece como Norma 4. Esse conjunto virtuoso de portarias espelhava o resultado de intenso debate, liderado pela comunidade acadêmica e pela sociedade civil, que, à época, eram os componentes principal da Internet no Brasil. Redes como a do Ibase, ANSP, RNP e os reflexos positivos da Eco-92.

A Norma 4 define “Internet” e conceitos de seu ambiente, como “serviço de conexão”. Já deixava claro então que esses serviços são distintos da “rede de telecomunicação que os suporta”. Ou seja, Internet não é “telecomunicação”. Isso ficou ainda mais sólido quando da promulgação da LGT – Lei Geral de Telecomunicações, em julho de1997, especialmente em seus artigos 60 e 61. O 61, em particular reza: “Serviço de Valor Adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas…”. Note-se o setor de telecomunicações era então estatal, e que a própria Anatel seria criada em novembro do mesmo 1997.

O ambiente úbere criado em 1995, época em que praticamente tudo na Internet era gratuito, permitiu seu rápido crescimento no Brasil. Inicialmente com a migração das BBS (“Bullet Board Systems”) existentes e, logo em seguida, com a entrada em cena de empresas de midia, que criaram seus próprios provedores de acesso e de informação, já em português. O brasileiro não é avesso a novidades, e a aceitação da Internet como nova e ampla forma de comunicação foi célere.

O modelo brasileiro, multissetorial e aberto, tornou-se autossustentável a partir de 1998 e foi saudado como espelho fiel dos princípios originais da internet: abertura, liberdade, inclusão. Vint Cerf, ‘pai da internet’, ressaltou: ‘O CGI.br é uma referência global. A internet deve ser construída com a participação de todos, não apenas de governos ou corporações”. Na mesma linha foi Tim Berners-Lee, e outros de relevo na rede. A dupla virtuosa CGI/NIC, modelo invejado, retorna para a própria rede os recursos privados que recebe, e em 2022 pôde gabar-se de operar em SP o ponto de interconexão com mais tráfego do mundo, além de outros resultados auspiciosos.

Trinta anos depois, esse legado é desafiado por propostas que procuram confundir deliberadamente telecomunicações e serviços de valor adicionado (SVA). O argumento ortogonal de que ‘tarifação igual elimina a necessidade de distinção’ é um sofisma diversionista, um “arenque defumado” (“red herring”) que, partindo de uma questão tributária, busca atacar, de forma enviesada, pilares da governança da Internet.

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Norma 4:

https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/normas-do-mc/78-portaria-148

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LGT:

https://informacoes.anatel.gov.br/legislacao/leis/2-l

Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

§ 2º Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

§ 2º É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações.


terça-feira, 25 de março de 2025

Attendamus!

 Há uma proliferação de sistemas de Inteligência Artificial à disposição dos usuários curiosos, e é sempre interessante testá-los. Se, por um lado, os resultados obtidos variam bastante, desde convincentes e completos, até claramente insatisfatórios, por outro fica-se com uma eventual “pulga atrás da orelha”: será que eles não estão se copiando? Afinal são sistemas abertos e nada impede que recorram aos concorrentes para montar uma resposta satisfatória.

Vários deles são bastante eloquentes quando solicitados a discorrer sobre pessoas específicas. O interessante é que, em diversos casos, o indigitado não reconheceu situações lá descritas como sendo de sua carreira ou passado… Ou seja, pode haver “biografias não autorizadas” geradas por IA, cujo conteúdo é questionável pelo próprio biografado. Nada de muito diferente do que se passaria no mundo real…

Ainda na área das “pulgas auriculares”, um artigo da DW (Deutsche Welle) - órgão bem estabelecido e com versões em dezenas de linguas - sobre iniciativas de combustível sistético fabricado no Chile com participação da Porsche, é acompanhado de vídeo que mostra veículos subindo os Andes, propelidos pelo novo combustível. Ocorre que, ao final do artigo, há uma singela nota que informa: “este vídeo resumido foi criado por IA a ṕartir de um roteiro original da DW, e foi editado por jornalista antes da publicação”. É louvável que o meio divulgue isso mas, de novo, ficamos sem saber o que é real no vídeo e o que seria sintético. De fato aquele automóvel arrostou as íngremes encostas do Andes, ou é apenas algo gerado sinteticamente…

Temos já aqui dois pontos de atenção: quanto a biografias e descrições, o passado que a IA narra pode ou não ter ocorrido; e quanto aos belos vídeos apresentados, eles podem ser irreais. O primeiro ponto lembra uma frase de autoria debatível (Pedro Malan? Roberto Campos?), que postula “no Brasil até o passado é incerto”. Poder-se-ia reescrever a frase como “na IA até o passado é incerto” – afinal as fontes em que a IA bebeu para gerar sua resposta podem não ser primárias nem confiáveis. Basta estarem disponíveis na Internet. Quanto ao segundo ponto, a liberdade artística mistura-se com a verdade factual e, de novo, fica incerto o que é real e o que é sintético. Uma leitura otimista disso poderia indicar uma volta a padrões artísticos do passado, como o Davi, de Michelângelo, em que a arte superaria esteticamente a própria realidade.

A saída, se é que há uma, é sempre mantermos clara a perspectiva de que estamos vendo um catado de dados, com grande variabilidade de justeza e correção, e retrabalhado por sofisticados mecanismos. Lembrou-se um frase que é bastante repetida em cerimônias do rito cristão oriental, onde o oficiante alerta a comunidade: “estejamos atentos!”. No rito romano reformado, essa instigação desapareceu. Restou, porém, na missa tridentina: o “attendamus!”. Em IA é importante vigiar e triar o que ela nos informa. Seu uso é instigante e cômodo, mas que não nos transforme em conformistas. É vital que “estejamos atentos”.

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a notícia da Deutsche Welle com o vídeo citado:
https://www.dw.com/en/porsche-tests-e-fuel-in-chiles-mountains/video-71727356

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sobre Davi, de Michelangelo:
https://pt.wikipedia.org/wiki/David_%28Michelangelo%29









terça-feira, 11 de março de 2025

Deixar herança

Há 30 anos Nicholas Negroponte publicava “A Vida Digital” (“Being Digital”) com o bit assumindo o papel do átomo. Uma transição da economia baseada em átomos (bens físicos) para uma baseada em bits (informação digital), redefinindo indústria, consumo, comportamentos e a própria comunicação. E isso já aconteceu com o suporte físico de livros, música e comunicação, com vantagens óbvias em eficiência, reprodutibilidade, armazenamento e transporte. E novos negócios que prescindem da movimentação de matéria. Como já disse Barlow, “a economia da Internet é mais formada de verbos, que de substantivos”.


O lado, talvez insidioso, do processo é que a base original de informação pode ficar distante. IA contribui para isso: afinal, por que ler um livro na versão original se com a IA consigo um resumo em poucos segundos? Outra referência preocupante surge: o mundo descrito em Fahrenheit 451, ficção de Ray Bradbury, publicada em 1953. Lá os livros são queimados, por perigosos, e sua disseminação e preservação proibidas. A temperatura em que o papel entre em combustão são 451 graus Fahrenheit, mas Bradbury acrescenta que “você não precisa queimar algo para destruí-lo; basta fazê-lo desaparecer da memória das pessoas”, ou seja, a verdadeira destruição residiria no apagamento da memória, na falta de acesso ao conhecimento primário. Se as fontes originais são bloqueadas ou destruidas, tudo pode ser revisto e reescrito conforme a conveniência do poder. O livro destaca a importância das fontes primárias e documentos históricos: o espírito de resistência presente em Fahrenheit 451 faz com que personagens memorizem obras literárias para preservá-las, tornando-se elas mesmo livros vivos.

Se olharmos o cenário hoje, essa ameaça pode não estar tão distante assim. A versão digital de um livro, o “e-book”, pode ser acessada e lida mas, se não puder ser transferida a um dispositivo nosso, o acesso dependerá do provedor. Não só deixamos de possuir o livro, como o que compramos foi apenas o direito de acessá-lo, e esse direito pode eventualmente ser cancelado. Em parte isso já acontece com publicações cientificas: muitas vezes é necessário pagar para acessá-las e esse acesso é revogável se o provedor assim o decidir. Some-se que pode ficar difícil verificar se o que estamos lendo é a versão original, ou algo que colocaram em seu lugar. A analogia segue: ao invés de queimar livros, plataformas podem simplesmente revogar o acesso ao conteúdo digital, apagando-o na prática.

Negroponte prevê um futuro luminoso de integração tecnológica, mas Bradbury nos lembra da importância de preservar nosso passado e nossa identidade. Montag, o protagonista de Fahrenheit 451, cita um conselho de seu avô: "Todos devem deixar algo de herança quando morrem... Algo que sua mão tocou de alguma forma, para que sua alma tenha para onde ir quando você morrer." No mundo digital, essa herança deve incluir não apenas o que está em efêmeros bits, mas também o que preservaremos em átomos para as gerações futuras.

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Sobre Fahrenheit 451:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Fahrenheit_451

O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag, trabalha como "bombeiro" (o que na história significa "queimador de livro"). No início, ele aceita seu papel sem questionar, mas, ao longo da narrativa, ele começa a questionar o sistema e a buscar significado em sua vida. Sua transformação é o coração da história, simbolizando a luta pela liberdade de pensamento e a importância do conhecimento.O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.

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Sobre A Vida Digital:

https://seminarioavancado.pbworks.com/f/Negroponte_vida_digital.pdf

"O livro, escrito em 1995, apresenta a visão de Nicholas Negroponte, pesquisador do MIT, sobre as perspectivas de futuro no que se refere ao desenvolvimento da tecnologia digital, apontando, não apenas a tecnologia em si, mas também prevendo modificações nos hábitos pessoais e sociais decorrentes da apropriação desses recursos pela humanidade. Dessas, observamos que muitas podem ser evidenciadas atualmente, algumas se encontram ainda em fase embrionária, enquanto outras foram superadas"

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Sem mais "downloads"

https://www.theverge.com/news/612898/amazon-removing-kindle-book-download-transfer-usb

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O Projeto 451:

https://www.racket.news/p/introducing-project-451